Foram ouvidos especialistas de que como identificar se um usado passou por alagamentos. Tapetes, bancos, motor e óleo são alguns dos itens a verificar, e você pode fazer a vistoria em poucos minutos.
O mês de junho registrou um aumento de 206% na venda de carros no Rio Grande do Sul em comparação com o mês anterior. Os dados foram divulgados pelo Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos (Sincodiv/Fenabrave-RS), que atribui o arranque às vendas feitas para quem perdeu seu carro em razão do desastre ambiental no estado.
Além dos novos emplacamentos, contudo, há oficinas fazendo um árduo trabalho de recuperar os carros que passaram pelas enchentes, mas que não foram dados como “perda total”. Após essa recuperação, muitos carros podem voltar para o mercado e ser revendidos.
Contudo, especialistas ouvidos afirmam que carros que passam por enchentes dificilmente voltam a ser como eram. E o comprador deve avaliar bem o custo-benefício se ainda assim quiser colocar um carro que passou por alagamento na garagem.
“A espuma dos bancos é grossa e cheia de camadas, uma hora ou outra o cheiro de lama vai voltar”, afirmou Alexandre Dias, proprietário do grupo de oficinas Guia Norte Auto Center em São Paulo, que já recebeu diversos carros dos alagamentos recentes.
“Soma-se a isso o fato de que existem locais que não tem como limpar por completo, como nos dutos de ar-condicionado ou nas dobradiças das portas.”
Independentemente de onde foi a enchente, o ideal é ter o poder de identificar se um carro foi afetado pela água. Lojas de usados dificilmente vão sinalizar se o veículo à venda foi afetado por algo tão sério. De acordo com Dias, “alguns lojistas querem maquiar o carro antes de vender”.
O especialista em veículos usados Rogério Galvão, do site Único Dono, concorda. “É importante fazer uma vistoria cautelar no carro para verificar se há algum sinistro de enchente.”
“Hoje, é praxe do mercado que as lojas apresentem um laudo, mas o segredo é que o interessado em comprar um usado faça uma vistoria independente da apresentada pela revendedora. É melhor gastar um dinheiro extra para garantir a idoneidade daquele automóvel do que confiar 100% na loja”, diz Galvão.
Nesta reportagem, listamos todos os itens que você deve verificar, em especial para escapar das unidades que passaram por enchentes e não há notificação. E, se mesmo assim decidir assumir o risco e comprá-lo, foram mostrados que os preços deveriam ser de 45% a 60% do preço mostrado pela Tabela Fipe.
Identificando um carro que foi alagado
ESTOFADO
O estado do estofamento pode facilmente denunciar se um carro passou por enchente. O material de portas e carpete, mas sobretudo os bancos, por conta da densidade da espuma, são responsáveis por liberar um odor característico de terra ou umidade. Por isso, a primeira coisa a fazer é entrar no carro e sentir se ele tem algum cheiro desse tipo.
“Aquele cheiro de tapete, banco ou assoalho molhado pode ser um indicativo que algo não está certo”, afirma Dias, do Guia Norte Auto Center.
Mesmo que sejam revestidos de couro, os bancos possuem muita espuma. E são essas camadas que retém o odor. O carpete também faz parte do estofamento e, por isso, deve ser verificado com cuidado. Manchas de barro ou cheiro forte de terra também são evidências de alagamento.
“É muito difícil não deixar vestígios em um carpete. A pessoa pode até lavar, mas o cheiro vai ficar. O carpete é feito sob medida para aquele modelo e não é facilmente encontrado”, afirma Dias.
“Desta forma, existem lojas que tiram o carpete de dentro do carro e cortam a parte danificada, mas esquecem que a do porta-malas é uma continuação dessa peça de dentro. Portanto, verifique se há emenda no carpete — muitas vezes localizada embaixo do banco traseiro. Peça para tirarem o banco e cheque se o carpete está inteiro”, orienta Dias.
Galvão, do site Único Dono, alerta: “é preciso ficar atento ao truque que os lojistas podem usar para disfarçar odores. Se o carro estiver muito perfumado, desconfie e procure outros indícios. Certamente haverá mais provas de que aquele carro foi inundado”.
TAPETES, TRILHOS E PARAFUSOS DOS BANCOS
Checar embaixo dos bancos dianteiros pode trazer pistas mais conclusivas sobre a situação do automóvel antes da compra. Trilhos onde o banco corre, parafusos e porcas que fixam o assento denunciam se ele foi alagado, principalmente se estiverem enferrujados.
“Se tiver sujeira ou terra nesses locais, é enchente na certa”, afirma Dias.
“Outro teste interessante é correr o banco no trilho. Se estiver emperrado ou com alguma dificuldade para movimentá-lo, pode ser que tenha sujeira, terra ou areia. Nesse caso, escolha outro carro”, completa Galvão.
DOBRADIÇAS, MOLDUTRAS, FECHADURAS E MAÇANETAS
De acordo com Alexandre Dias, que também é representante do Comitê Nacional da Bosch Car Service, locais inacessíveis são mais difíceis de mascarar, como dobradiças, molduras de portas e fechaduras.
“Nas dobradiças e molduras de portas dá para ver o barro acumulado porque esses lugares são difíceis de limpar”, explica Dias.
AR-CONDICIONADO
O sistema de circulação do ar é mais um indicativo de problemas que o carro possa ter. De acordo com Dias, até mesmo empresas especializadas em higienização não conseguem limpar todos os dutos de ventilação.
Por isso, ligar o ventilador e checar se existe cheiro forte é fundamental para determinar o passado do veículo.
ELÉTRICA
Conforme os carros ganham tecnologia, mais módulos de gerenciamento são adicionados. Assim, se luzes de advertências estiverem acesas no painel e não apagarem mesmo após a partida, desconfie.
“Ao ligar o carro, também é necessário verificar se ele está dando a partida com dificuldade. O módulo de injeção eletrônica pode ter sido comprometido com a água. Se estiver danificado por conta da enchente, a partida dificultada é mais um sinal.”
FARÓIS E LANTERNAS
O especialista em recuperação de veículos, Alexandre Dias, afirma que todos os detalhes fazem diferença. Um deles é a umidade que pode surgir em faróis e lanternas.
“Aquelas gotinhas de água que surgem nas peças de iluminação — semelhante àquela água que aparece na tampa da panela quando está cozinhando alimentos — é indicativo de infiltração. Os vendedores podem até maquiar uma ou outra peça, mas não existe ‘crime’ perfeito”, explica.
ESTEPE E FERRAMENTAS
Não é normal uma chave de roda enferrujada, ou um macaco enferrujado. Segundo Galvão, o ideal é vistoriar o carro por completo, inclusive o local reservado para a estepe.
Tire o pneu extra, puxe as ferramentas e veja se tem umidade onde o estepe fica armazenado. Outro sinal de que o carro foi alagado é a ferrugem que aparece nas ferramentas usadas para a troca do pneu sobressalente”.
RADIADOR
“Sujeira no radiador é fácil de detectar (barro e cor de ferrugem). Ao ver um radiador enferrujado, ligue o sinal de alerta porque não é normal. Se você trabalhar com os produtos adequados para o sistema de arrefecimento, o radiador nunca vai enferrujar”, alega Dias.
ÓLEO
Na parte mecânica, é importante checar se o óleo está em boas condições de uso. Caso o óleo tenha aparência de café com leite, é indício de água no sistema de lubrificação. Tire a vareta, passe-a em um pano e cheque a cor do fluido. Se estiver marrom, evite esse carro.
“Os detalhes vão fazer a diferença, mas é uma junção de provas que vão determinar se o carro foi inundado: odor, sujeira, umidade. Tudo isso vai evidenciar o verdadeiro estado do carro”, alerta Galvão.
Depreciação nas alturas
Consultorias afirmam que 200 mil veículos foram afetados pela enchente que afetou o Rio Grande do Sul. A maior parte deles não pode ser recuperado. Mas existem aqueles que voltarão para o mercado através de lojas que arrematam esses veículos com valores bem abaixo do preço de tabela para recauchutar e vender.
“Os lojistas compram esses carros com descontos de até 60% do valor venal da tabela Fipe para maquiar e revender”, diz Rogério Galvão, especialista em usados.
“Esse é o problema porque os lojistas sempre vão querer cobrar o que ele valeria, mas o comprador não pode cair nessa pegadinha. Uma oferta razoável é pagar 35% a menos do que a média de mercado”, afirma.
Além da vistoria à parte, existem oficinas que oferecem o serviço de avaliação pré-compra, que é semelhante a um laudo cautelar e custa cerca de R$ 400.
A diferença é que a mecânica desmonta algumas peças para checar as condições do carro, diferentemente da maioria dos laudos cautelares que, em sua maioria, se apoiam apenas nas informações enviadas pela seguradora.